terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Miguel Torga - A Criação do Mundo


NATAL
Outro Natal.
Outra comprida noite
De consoada,
Fria,
Vazia,
Bonita só de ser imaginada.

Que fique dela, ao menos,
Mais um poema breve,
Recitado
Pela neve
A cair, ao de leve,
No telhado.

Diário XII, 1977

sábado, 15 de fevereiro de 2014

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Romance - Miguel Torga nasceu no dia 12 de agosto 1907

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Ora pois, foi tal e qual como vos digo:
Minha Mãe, certo dia, pôs a questão assim
- Ou ela, ou eu!
E ficou resolvido que no dia doze
Minha Mãe parisse,
E pariu!
Pariu e ninguém se opôs! Ninguém!
Como se fosse um feito glorioso
Parir assim alguém, tão nu, tão desgraçado!
Por mim,
Ainda disse que não.
Mas o seu anjo da guarda
Era forte e tenebroso…
E aquele frágil cordão
Deixou de ser o meu pão,
O meu vinho
E a paz eterna do meu coração
Mesquinho.
Deixou de ser o silêncio
Delicado e agradecido
Dos meus instintos menores…
Deixou de ser o norte daquele lago
Onde dormia o meu corpo
Sem alegria e sem dores.
Deixou de ser aquela verdadeira
E sagrada ignorância do meu nome.
Que Satanás me disse, quando disse:
- Respira e come,
Respira e come,
ANIMAL!
(A voz de Satanás já nesse tempo
Era humana e natural!...)
Deixou de ser um mundo e foi um outro.
Foi a inocência perdida
E a minha voz acordada…
Foi a fome, a peste e a guerra.
Foi a terra
Sem mais nada.
Depois,
Sem dó nem piedade a vida começou…
Minha Mãe, a tremer, analisou-me o sexo
E, ao ver que eu era homem,
Corou…

Miguel Torga