quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

A SECRETA VIAGEM

No barco sem ninguém, anónimo e vazio,
ficámos nós os dois, parados , de mão dada ...
Como podem só os dois governar um navio?
Melhor é desistir e não fazermos nada!

Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos,
tornamo-nos reais, e de madeira, à proa...
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos...
Por entre nossas mâos , o verde mar se escoa...

Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem.
Aonde iremos ter?- Com frutos e pecado,
se justifica, enflora, a secreta viagem!

Agora sei que és tu quem me fora indicada.
O resto passa , passa...alheio aos meus sentidos.
-Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada,
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!

 David Mourão-Ferreira (1927-1996)

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