sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

SONETO

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Acusam-me de mágoa e desalento,

como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.

Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.

Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança. 
A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a própria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.

(1945)

SONETO

Rudes e breves as palavras pesam
mais do que as lages ou a vida, tanto,

que levantar a torre do meu canto

é recriar o mundo pedra a pedra; 
mina obscura e insondável, quis
acender-te o granito das estrelas
e nestes versos repetir com elas
o milagre das velhas pederneiras;
mas as pedras de fogo transformei-as
nas lousas cegas, áridas, da morte,
o dicionário que me coube em sorte
folheei-o ao rumor do sofrimento:
ó palavras de ferro, ainda sonho
dar-vos a leve têmpera do vento.

 

In Obras de Carlos de Oliveira,

Editorial Caminho,1992

1 comentário:

Isabel Filipe disse...

Bom dia Ana Marta,

Não conhecia estes dois poemas ...


gostei muito e ... obrigada por mos teres dado a conhecer.

beijinhos e um bom fim de semana para ti