Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada.
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por Dom Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca....
Fernando Pessoa, Obra Poética
Fotografia: Jacqueline Roberts
7 comentários:
Adoro este poema ...
Pessoa é o meu poeta de eleição.
tive em tempso um disco de Vilarett em que ele o declamava ...
beijinhos e bom fim de semana
um dos poemas que me encanta e uma imagem fabulosa
bom fim-de-semana
Na vida e naturalmente na produção poética de um autor tão prolixo como foi Fernando Pessoa, há diferentes sensações, estados de espírito e até contradições. Este poema é também muito do meu agrado - quem não se sente atraído por «Ai que prazer não cumprir um dever, ter um livro para ler e não o fazer... O rio corre, bem ou mal sem edição original». O que não significa que isso correspondesse ao sentir real e último do poeta. Pois, como poderia ele dizer mal dos livros?
Um bom Dia da Poesia e melhor ainda fim de semana.
Boa escolha...Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Kiss e Bom Fim de Semana
Também é um dos meus preferidos do Pessoa.
E olha: uso muitas vezes esse verso que diz Livros são papéis pintados com tinta, para desdramatizar alguma tendência que algumas pessoa têm para sacralizar a cultura.
Grande, é a poesia do nosso Pessoa.
Bjs
Porventura um dos poemas mais conhecidos de Pessoa, numa linguagem de fácil entendimento e que chega bem a toda a gente.
Tantas verdades ditas em tom irónico dão-nos a clara medida do talento de Fernando Pessoa e do seu modo de ver o pequeno mundo português da época.
Um abraço.
Jorge G.
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