sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Mal estar e Para Pensar

A partir de uma metáfora de António Barreto

O que têm em comum uma metáfora do sociólogo António Barreto, o relatório da Sedes, um diálogo à porta de um supermercado de Évora e a insurreição social proposta por George Steiner em 25 de Outubro de 2007, na Fundação Calouste Gulbenkian? Muito, digo eu.

Num programa televisivo de Fevereiro de 2008, António Barreto afirmou que tinha ido, por curiosidade, ver o edifício do Casino de Lisboa e que, ao passar na rua, reparou que o Pavilhão de Portugal estava coberto de rachas na estrutura. Então lembrou-se de uma metáfora: "O Pavilhão do Futuro é um casino e o Pavilhão de Portugal está coberto de rachas."

O relatório da Sedes Tomada de posição - Fevereiro de 2008, ao apontar para uma degradação da sociedade, aponta para uma estrutura cheia de rachas, para "um mal-estar difuso, que alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional".

No contexto do peditório da Cáritas, presenciei um diálogo muito interessante à porta de um supermercado de Évora, no qual a pessoa a quem tinha sido pedido um donativo estava a fundamentar a sua recusa em dar com argumentos que poderiam ser os meus e de muitos leitores. Dizia que pagava impostos todos os dias, há muitos anos, que não via quaisquer benefícios por fazer esses pagamentos e ainda por cima o dinheiro dos seus impostos servia para oferecer edifícios (Pavilhão do Futuro) a um dos homens mais ricos do mundo, o sr. Stanley Ho. Por essas razões, dizia à Cáritas que fosse pedir ao Estado uma parte dos seus impostos, para desenvolver os seus programas sociais. Este é o "mal-estar difuso" de que fala a Sedes, que leva um cidadão a recusar um donativo, com um argumento que mina a confiança essencial à coesão nacional.

Em Outubro de 2007, o pensador George Steiner apelava à revolta social, ao ponto de sugerir uma revolta social violenta, por parte daqueles que se sentem ofendidos, esta é a palavra correcta, pelas classes políticas, que neste estado de coisas coincidem com as classes que detêm o poder económico (...).

Se o futuro de Portugal é um casino, se o Pavilhão de Portugal rachou, se um grupo de pensadores fala em "mal-estar difuso" e se um cidadão, como muitos milhares de outros, não confia ao ponto de recusar um simples donativo, então George Steiner faz bem em admirar-se por que é que as pessoas não se revoltam. Depois de tudo isto, recordemos um momento populista do Presidente da República Portuguesa, no seu discurso de Ano Novo (ou de Natal), ao sentir-se preocupado com os ordenados auferidos pelos dirigentes das grandes empresas. Por um lado, é assunto puramente privado, da conta dos accionistas dessas empresas (a não ser que a Presidência da República esteja a defender os interesses dos accionistas) e, por outro, o Presidente da República tinha muito por onde chamar a atenção, nomeadamente quanto ao salário mínimo legal, quanto à exploração de mão-de-obra barata, quanto aos salários de miséria pagos às pessoas que trabalham à hora, quanto ao índice de miséria infantil em Portugal (...). Razão tem o grande pensador em admirar-se.

Pedro Bravo

Évora

Email: cartasdirector@publico.pt

Sem comentários: