sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A Minha Alma Partiu-se

espelho

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.

Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?

Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.

Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.

Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.

Álvaro de Campos, in "Poemas"

Imagem da Net

7 comentários:

peciscas disse...

Uma das facetas em que se atormentava o Pessoa.
Aqui, faz-se em cacos mas, mesmo assim, é grande e poeta inteiro.

LopesCaBlog disse...

Animo.
Passei só para desejar um
Feliz Dia de São Valentim :)

lagartinha disse...

Passei apressada, só para deixar beijinhos...

j. monge disse...

Quando nos perdemos de nós...
Muito forte!
Beijinhos!

Elvira Carvalho disse...

Belíssimo poema. Espero no entanto que a alma partida seja apenas a do poeta.
Um abraço e bom Carnaval

Mare Liberum disse...

Também a minha alma anda partida ,Anamarta! Não estou cansada da vida mas o cansaço tomou conta de mim.Melhores dias virão.

Beijinhosss

Bem-hajas!

Cadinho RoCo disse...

Difícil conviver com a alma despedaçada.
Cadinho RoCo