Podia ter-me vendido
devia ter aceitado
a carta que me traziam
numa bandeja de prata
Carta cheia de promessas
o envelope timbrado
e com dois beijos de lacre
sobre o branco imaculado
Podia ter transigido
devia ter assinado
Podia ter-me rendido
à lei do estômago cheio
à lei do chapéu de plumas
à lei da besta sem freio
Devia ter-me traído
e entrar na roda do meio
Podia ter alinhado
a favor de Sancho Pança
negando que D. Quixote
fora sempre meu amigo
Podia quebrar a lança
devia adorar o umbigo
Bastava que eu não pensasse
o contrário do que digo.
José Correia Tavares (1937) "in De Palavra em Punho"
Fotografia: Net
10 comentários:
Magnifica escolha. Tão actual esse poema como a vida, como a luta e como os rios que hoje, nos leitos, correm na sociedade portuguesa...
Kiss e Boa Semana
Ana,
o que de bom tem ler poesia publicada na blogosfera, é que a maioria das vezes se encontram poetas e poemas que, não conheceríamos a não ser por este meio.
Foi o que aconteceu comigo agora amiga e, era tanto o que eu perdia...
Bastava que... não pubicasses este poema e, perderia uma pérola.
Obrigada.
Beijos
"Podia ter-me vendido...bastava que eu não pensasse o contrário do que digo"
Fantástica escolha amiga. Que sentir tão generoso nos consegues transmitir através das escolhas que fazes.
Bem hajas!
Através da divulgação destes poetas também se presta serviço público.
Beijos
Muito bonito e ainda bem que existem pessoas que fazem o que pensam :)
... O importante é SABER VIVER. Beijos inspirativos e obrigada pela visita
Excelente poema. E de um poeta que eu não conhecia. Obrigada pela partilha.
Um abraço e bom feriado
Será que o meu comentário se perdeu, ou ficou a aguardar? É que não reparei se aguarda publicação e, assim, fico na dúvida.
Bom, logo se vê, Ana MArta!
Um abraço.
Anamarta,
É, é o retrato das rasteiras que a vida põe por vezes no nosso caminho. Porque nunca se sabe o que vem dentro do envelope, que normalmente é da melhor qualidade.
Por isso toda a atenção é pouca.
Anamarta fiquei feliz por ver aqui uma grande MULHER, a Anna Mathaya.
Um braço
Pois Ana, eu nasci no Barreiro sim.
Na Seca do Bacalhau da Azinheira Velha, numa barraca debaixo de um pinheiro manso. E provavelmente fui gerada para aí debaixo de um pinheiro ou sobreiro ao ar livre.
Em tempos no Sexta contei a história do Bacalhau e expliquei esta parte de como fui gerada.
A sua irmã, chama-se Elvira? Pois não é muito comum o nome. Só conheci duas em toda a minha vida.
Um abraço e obrigada pela visita.
Bom feriado
Perante tanta gente que conheci na minha juventude e que traiu os seus ideais de então, pelo saboroso prato de lentilhas do poder ou das benesses, já escrevi algo como isso.
Resta-me a modesta consolação de a consciência não me acusar de me ter vendido.
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